05 abr Autismo e Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
Uma questão de respeito à cidadania
Fortaleza, 05 de abril de 2011.
A ONU decretou 2 de abril como o dia Mundial da Consciência sobre o Autismo, é uma data que serve como referência para que autistas, suas famílias, governos e sociedade em geral discutam o autismo e reafirmem o compromisso de promoção da inclusão e defesa dos seus direitos fundamentais, tais como saúde, educação, lazer, liberdade, respeito pelo lar e pela família.
O autismo é um distúrbio do neurodesenvolvimento que se manifesta precocemente e afeta as habilidades de comunicação e interação social. O autismo pertence a um grupo de transtornos conhecidos como “Transtornos do Espectro do Autismo – TEA”, também chamados “Transtornos Globais do Desenvolvimento”.
Novos estudos no âmbito internacional apontam que quase 1% da população possui algum Distúrbio do Espectro do Autismo, no Brasil isso pode significar algo em torno de 1,9 milhão de pessoas que, muitas vezes, são multiplamente vulneráveis e suscetíveis à violação de seus direitos quando encaram os desafios diários inerentes à sua condição aliados ao preconceito, à indiferença, ao abandono, à falta de escolas inclusivas que atendam suas necessidades, à indisponibilidade dos serviços médicos qualificados e a pouca cobertura e abrangência dos serviços de habilitação e reabilitação.
A ONU reconhece o autismo como deficiência e as pessoas com autismo são também protegidas pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência que foi ratificada pelo Brasil em 2008 com status de emenda constitucional. Isso demanda uma nova postura dos movimentos ligados às pessoas com autismo e suas famílias, baseada nos direitos humanos e nos princípios da não discriminação, aceitação das diferenças e plena inclusão e participação na sociedade, demanda também políticas públicas efetivas e abrangentes que garantam que as pessoas com autismo tenham condições de se desenvolver, preservar sua identidade e compartilhar de todos os meios sociais de forma não segregada.
Nesse sentido, aproveitando a reativação na Câmara Federal da Frente Parlamentar de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, a criação no Senado da Comissão Especial para Regulamentação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e o momento em que o Brasil e o Mundo se iluminaram de azul por consciência e garantia de direitos para pessoas com autismo, nós, autistas, familiares, profissionais e ativistas do movimento das pessoas com deficiência e direitos humanos que fazemos a Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas com Autismo, gostaríamos de apresentar as seguintes considerações:
Dada a abrangência, os princípios e o status constitucional da Convenção é fundamental que as iniciativas legislativas e de políticas públicas voltadas para as pessoas com autismo sejam coerentes com seu texto e que no processo de regulamentação da CDPD seja garantida a participação dos autistas, suas famílias e instituições representativas, conforme dito em seu artigo 4.3.
É preciso entender a importância do diagnóstico e intervenção precoce, através de equipe multiprofissional, para que as pessoas com autismo possam desenvolver ao máximo suas habilidades. Durante anos e ainda nos dias de hoje os autistas e suas família peregrinam em busca do diagnóstico e de serviços de habilitação e reabilitação adequados ao atendimento de pessoas com autismo. A realidade é que ainda são poucos os profissionais capacitados para o diagnóstico e pequena a abrangência de serviços de referência que ofereçam atendimento para os autistas e suas famílias nos termos do artigo 26 da Convenção.
A Educação Inclusiva em classe regular é um direito fundamental para todas as crianças e adolescentes, inclusive todas as crianças e adolescentes autistas, conforme preconiza o artigo 24 da Convenção. Infelizmente não são raros os relatos de negação de matrícula em função do autismo ou de diversos problemas que dificultam a permanência dos autistas na escola. É necessário investir em capacitação do corpo docente e estabelecer políticas que articulem os serviços reabilitação e escola de forma complementar.
É necessário fazer uma ampla discussão sobre Capacidade Legal e Reconhecimento Igual Perante a Lei, artigo 12 da Convenção. Muitas vezes as famílias recorrem ao instituto da interdição no intuito de garantir a manutenção de benefícios aos seus filhos com autismo, como acontece quando o beneficiário do BPC faz 18 anos e é a mãe ou outro responsável quem administra o benefício. É preciso estudar alternativas para que a garantia de um direito social tão necessário não acabe tendo por pré-requisito, em alguns casos, a anulação dos direitos civis.
Os autistas e familiares mais pobres e que vivem mais afastados dos grandes centros são os que mais sofrem pela falta de acesso aos serviços públicos mais básicos e profissionais qualificados para diagnóstico, orientação e atendimento. Muitas vezes os autistas padecem de dor por não conseguirem uma consulta no dentista ou uma consulta médica. É muito importante que as pessoas com autismo não sejam excluídas dos serviços gerais de saúde e da atenção básica sob a alegação de autismo, conforme artigo 26 da Convenção, nesse sentido um esforço para qualificar e acessibilizar esses serviços deve ser empreendido.
Infelizmente não são raros os relatos sobre autistas literalmente enjaulados em suas próprias casas, ocultados por suas famílias, ou vivendo sob condições de negligência extrema, também são preocupantes as situações de violência e abuso sexual. É preciso que sejam tomadas medidas para prevenir a violência e o abuso contra pessoas com autismo, nos termos do artigo 16 da Convenção.
Muitas vezes, autoridades do poder judiciário ao serem notificadas sobre a violência ou que pessoas com autismo se encontram em situação de abandono, encaminham a pessoa para abrigos de longa permanência. Estes abrigos, na maioria dos casos, são como a sentença de prisão perpétua para a vítima, que fica isolada da vida em comunidade e dos seus direitos básicos fundamentais. Por um lado é preciso fortalecer e apoiar a família oferecendo informações e suporte que favoreça o acolhimento e previna o abandono conforme o artigo 23.3 da Convenção, por outro é preciso também garantir que as pessoas autistas em situação abandono ou que por qualquer motivo tenham ficado sem suporte familiar sejam apoiadas para viver em comunidade, de forma não segregada, em alternativas inclusivas aos atuais abrigos, nos termos do artigo 19 da Convenção.
É importante destacar que o compromisso brasileiro com a Convenção demanda a estruturação de políticas públicas, capacitação, conscientização contínua, estruturação e reestruturação de serviços e práticas vigentes. Nada disso é possível sem um amplo debate com a sociedade civil e a garantia de recursos orçamentários para implementação desses direitos.
Atenciosamente,
Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas com Autismo – ABRAÇA