Capacitismo e nosso direito de ser mais que paciente | Opinião | Alexandre Mapurunga

retrato realista desenhado à lápis do rosto de Marielle Franco, em preto branco. Ela sorri e olha fixamente na direção do observante.

Capacitismo e nosso direito de ser mais que paciente | Opinião | Alexandre Mapurunga

Foto de Alexandre Mapurunga
Alexandre Mapurunga: defensor de direitos humanos, autista, secretário-geral da Abraça.

Faz uns dias, no dia em que Marielle Franco completaria 41 anos, recebi um desenho lindo da vereadora martirizada acompanhado de uma mensagem dizendo “feito por um paciente com autismo, olha que maravilha”.

Quero aproveitar a oportunidade de um desenho lindo feito por um artista anônimo para voltar a falar de capacitismo.

Pessoas autistas e com outras deficiências são frequentemente vistos como eternos pacientes, sem reconhecimento dos múltiplos papéis que desempenham na sociedade. Ninguém no mundo é só uma coisa na vida, mas querem reservar pra nós um papel menor e mesquinho.

Nossos talentos, nossas capacidades, nossos defeitos, os acertos e besteiras, tudo o que fazemos é avaliado a partir de uma lógica que reduz a nossa existência e dignidade. Parece, então, que a nossa única condição validada é a de paciente. Só podemos transitar no mundo para nos tratar de quem somos.

Então, um paciente com TEA fez um desenho maravilhoso, não um artista autista. O capacitismo causa a ilusão de que você é talentoso apesar do autismo. Tudo que você faz de bacana acontece, implícita ou explicitamente, depois da conjunção adversativa. Você não pode simplesmente ser bom no que faz.

O contrário também ocorre. Você já pode ter ouvido alguém falar “meu filho não é mal educado, ele é autista”, como se autistas não pudessem ser mal educados ou como se toda falta de educação de pessoas autistas tivesse que ser perdoada automaticamente.

retrato realista desenhado à lápis do rosto de Marielle Franco, em preto branco. Ela sorri e olha fixamente na direção do observante.
Desenho de Marielle Franco feito por um artista que é autista.

Não se trata, não me entenda mal, de desconsiderar as dificuldades de compreender os contexto sociais, características comuns a todos os autistas.

A minha intenção aqui é falar do capacitismo embutido na suposição de que tudo que é feito positivo (ou até banal) por pessoas autistas ou com outras deficiências parece surpreender e causar comoção, mesmo que não a ponto de fazer com que deixem de pensar em nós como mais que pacientes.

Por outro lado, esse mesmo capacitismo cria a ideia de que todos os defeitos e falhas individuais, até de caráter, são inerentes ao grupo: “fulano é assim porque é autista”, “beltrano é retardado”, “não sabe como é esse povo?” etc.

O capacitismo turva o entendimento e a compreensão sobre as pessoas com deficiência, suas potencialidades e riqueza, a partir de uma perspectiva estereotipada sobre o que é deficiência e o que significa ser pessoa com deficiência.

Visão essa que, por fazer parte do imaginário popular e se manifestar de maneira sistemática através do preconceito, rouba dignidade, valor e, em última instância, tira oportunidades de fazer florescer a própria existência.

No final das contas, o paciente autista é, na verdade, um grande artista, mas o capacitismo quer que ele seja visto apenas como paciente e nada mais. Temos que ficar alertas. Não podemos deixar que amesquinhem nossa existência. Somos e podemos mais.


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