Jovem autista representa Abraça na Conferência dos Estados partes da ONU-CDPD, em Nova Iorque

Jovem autista representa Abraça na Conferência dos Estados partes da ONU-CDPD, em Nova Iorque

Fernanda discussando na COSP

Fernanda Santana, jovem autista, membro da Abraça de Curitiba, foi a Nova Iorque participar da nona edição da Conferência dos Estados Partes da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 14 a 16 de junho de 2016.  Fernanda foi indicada pela Abraça em uma parceria com Autistic Minority International para, através da Lumos e da Unicef, participar do painel “Ending Violence Against Children and Adolescents with Disabilities” (Fim da Violência Contra Crianças e Adolescentes com Deficiência) que aconteceu no último dia 16 de junho, na sala 4 do Prédio das Nações Unidas em Nova Iorque.

Com um discurso forte, incisivo em favor da diversidade humana e contra violência sistemática que sofrem crianças e jovens com autismo, Fernanda foi aplaudida de pé, .

Nesse 18 de junho, dia Mundial do Orgulho Autista, nós da Abraça, compartilhamos o belo e forte discurso de Fernanda na ONU, como uma alerta contra as diversas formas violência e como um apelo ao exercício protagonismo, da aceitação e do reconhecimento dos direitos humanos.

Com a palavra, Fernanda Santana:

Muito obrigada, é uma honra estar aqui.

Meu nome é Fernanda Santana, eu sou uma auto-defensora (self-advocacy) autista brasileira, membro da Abraça, a Associação Brasileira para Ação para os Direitos das Pessoas com Autismo. Eu gostaria de agradecer a nossa parceira Autistic Minority Internacional e, é claro, à Lumos e ao UNICEF por tornarem possível para mim estar aqui hoje.

O que eu vou dizer é, de fato, a opinião corrente de toda a comunidade autista … não médicos, e não de pais, mas das próprias pessoas autistas. E toda a essência, é claro, é a mesma para as pessoas com outras deficiências também.

Eu gostaria de começar por citar um dos princípios gerais da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: “o respeito pela diferença e aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade”.

Para nós, pessoas autistas, a palavra-chave é neurodiversidade. Estamos orgulhosos de dizer que a nossa neurodiversidade é verdadeiramente uma expressão da diversidade humana. Essa é a nossa identidade. O nosso autismo não é uma doença ou um problema mental, nem é uma maldição, o nosso autismo é parte de quem somos. E é por isso que a existência de uma cura não é possível. Porque as pessoas são o que são, e as suas diferenças também são importantes.

Autismo pode ser uma palavra relativamente nova, mas estamos aqui já faz um longo tempo, em toda a história da humanidade, contribuindo em nosso caminhar. Infelizmente, a sociedade tem sido cruel conosco. E as crianças são, é claro, quem mais sofrem.

Começando com a dificuldade de diagnóstico, especialmente para meninas e mulheres autistas, que muitas vezes passam despercebidas. Em muitos lugares ainda é difícil encontrar médicos e outros profissionais que podem lhe dizer, com certeza, se você é autista ou não. Especialmente se você é uma menina que usa a boca para falar. Muitas recebem diagnósticos errados e tratamentos errados, e medicação desnecessária. Mas um diagnóstico correto não é garantia de que tudo vai ficar bem.

Eu sei que é difícil para uma família perceber que seu filho é diferente do que eles esperavam. Isso é frustrante, com certeza. Mas se você pensa o pior do autismo, apenas a parte ruim, se você acha que é terrível e que as pessoas autistas não podem ser felizes, não podem viver uma vida “normal”, não podem fazer nada, como ter um emprego ou estudar ou casar… bem, é claro que vai ser horrível ouvir que seu filho é autista.

Em todo o mundo há famílias desesperadas, sem informações, sem ajuda, sem qualquer tipo de apoio. E por causa desta falta de apoio, elas são facilmente enganadas. Elas dão todo o dinheiro que têm para a primeira pessoa que promete uma cura, uma falsa-cura. E então as coisas mais bizarras podem acontecer. Que são as “terapias alternativas”.

No Brasil, por exemplo, estamos lutando contra o protocolo MMS, que é água sanitária industrial concentrada que os pais dão aos seus próprios filhos autistas para beber ou forçam via retal na forma de uma lavagem intestinal. É tão forte que corrói os intestinos a tal ponto deles sairem literalmente em pedaços.

Recentemente, ouvimos sobre uma clínica chinesa que matou um pequeno menino autista fazendo-o percorrer distâncias absurdas, só por pensar que o autismo dele era preguiça. Na França, por alguma razão, alguns psiquiatras enrolam crianças autistas em toalhas molhadas e frias e chamam isso de tratamento. Em muitos países, as crianças autistas estão sendo expostas a injeções de células-tronco para as quais não há nenhuma justificativa científica. Algumas pessoas fazem crianças autistas respirar oxigênio puro em câmaras que podem explodir em chamas. Outros sugerem a castração química. Ou quelação, a qual remove todos os metais do corpo, incluindo o cálcio, o que é muito importante para o organismo. Também ouvimos sobre cirurgias de cérebro e outras coisas horríveis. Ocasionalmente, alguém morre, mas as “terapias alternativas” continuam.

A Convenção diz que “Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”. Mas isso é o que está acontecendo hoje.

Famílias mais conscientes, ou aqueles que simplesmente não têm dinheiro suficiente para pagar por essas “terapias alternativas” perigosas, buscam a cura através de dietas não comprovadas e estranhas e, claro, das terapias comportamentais, que é um nome polido para a lavagem cerebral.

Crianças são treinadas para fingir que não são autistas, treinadas para esconder sua verdadeira identidade, a obedecer sem oposição. O dano psicológico é uma questão de tempo. Terapias baseadas em conformidade, como ABA, também tornam crianças autistas mais vulneráveis ​​a outras formas de violência, incluindo a bullying e abuso sexual.

A supermedicalização também é muito comum, as drogas e a sedação de crianças autistas é uma maneira fácil de fazê-los parecerem calmos e controláveis. Se isso não funcionar, então há os asilos e instituições para doentes mentais. Ou, se a família tem dinheiro suficiente, a versão mais contemporânea, todo um complexo-residência que simula o mundo real e mantém as pessoas autistas isoladas de suas comunidades reais. Isso é respeito? Isso é proteção? Eu acho que não. Não há consentimento e não é com base no melhor interesse da criança.

Estas crianças não estão tendo seus direitos respeitados. E eles não vão ter, não enquanto não se superar a fase de sensibilização e começar a se falar sobre aceitação e respeito. Isso é o que precisamos hoje. Precisamos de auto-defesa. Temos de começar a falar sobre o que essas crianças são capazes, devemos fortalecê-los, dizendo-lhes que eles podem fazê-lo, podem decidir por si próprios. Mesmo aqueles que não usam suas bocas para falar têm que saber que têm direitos sobre si mesmos, sobre seus corpos, sua saúde, sua vida.

A sociedade precisa de saber que o autismo é mais do que algumas dificuldades, e que não é uma doença. Precisa entender que o autismo não precisa ser derrotado, porque ao tentar fazê-lo, causa também a derrota dos próprios autistas, de seus direitos, da sua auto-confiança, da sua auto-estima, das suas potencialidades e esperanças.

Precisamos de você para acabar com a violência contra as crianças autistas trazendo informação para o mundo. Não informações sobre tratamentos médicos, mas sobre os direitos humanos, respeito e aceitação. Os governos precisam dar apoio às famílias, as escolas precisam ser instruídas, e as crianças precisam para crescer com a sua auto-estima e saúde geral intacta.

Essa é a única maneira. A maneira respeitosa. Não apenas para crianças autistas, mas para crianças com qualquer deficiência … que são diferentes, claro, mas nunca inferiores.

Muito obrigada.

Fernanda Almeida Santana
Jovem autista auto-defensora brasileira, membro da Abraça, em seu discurso na ONU, no painel “Ending Violence Against Children and Adolescents with Disabilities” na Conferência dos Estados Partes da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em 16/06/2016.