Um caminho por ações e políticas públicas para a qualidade de vida de pessoas autistas | opinião | Ana Cândida

Um caminho por ações e políticas públicas para a qualidade de vida de pessoas autistas | opinião | Ana Cândida

Foto em preto e branco de Ana Cândida
Ana Cândida Carvalho é mulher autista, escritora, fotógrafa autoral e assistente administrativa em Teresina-PI.

A campanha do dia 18 de junho, que traz a temática do Orgulho Autista, levanta a questão da aceitação da própria identidade, apontando para a luta diária pelo fim do capacitismo e de quaisquer tipos de preconceito, ainda arraigados na sociedade.

Segue a luta contra o apagamento sócio estrutural enfrentado por camadas populacionais que clamam por visibilidade. E é nesse contexto, de urgência para definição de lugares de fala, que ecoam os fortes brados de pessoas autistas, e demais Pessoas com Deficiência, indicando a necessidade de construção de meios eficazes para alcançar políticas públicas que possam contribuir para a melhoria da qualidade de vida desse segmento social e possibilitar meios para a absorção do seu papel identitário, assegurado também pela defesa do direito ao próprio corpo.
Porquanto, vestir-se da própria existência é conditio sine qua non para assumir-se como pessoa ativa socialmente. Invalidar o discurso identitário de outrem enfraquece o movimento por aceitação da diversidade humana.

É preciso legitimar a autoafirmação, garantindo visibilidade e comprometimento com questões humanitárias tão importantes. Aos que não têm consciência corpórea plena, é preciso dar-lhes subsídios/suporte para exercício da individualidade, garantindo, inclusive, privacidade e respeito.
Há, ainda, uma compulsão a ventilar para debaixo dos tapetes simbólicos, esferas sociais dignas, na verdade, de aclamação e deferência. Pulverizar, por exemplo, lutas históricas de causas humanitárias, reduzindo-as à obsolescência mostra apenas o quão reducionista (na concepção pejorativa da palavra) é o pensamento contemporâneo. A ideia de colocar todo mundo numa mesma fôrma social besuntada de puro recalque veio de bandeja como herança do patriarcado. Cada pessoa deve cumprir seu papel “bem traçado” fielmente, passando por cima das sutilezas que compõem sua subjetividade. Adornar, ainda nos dias atuais, seguimentos da estrutura social com fragmentos profundos do molde colonial, trata-se de retrocesso explícito. Já somos bombardeados, cotidianamente, com os ditames do capitalismo, sendo prensados sobre uma parede de tijolos simbólicos nada amenos, nutrindo oligarquias, mesmo involuntariamente, contribuindo para manutenção do status quo, tão caro às franjas da sociedade.
Vale destacar que muitos neurotípicos propagam ideologias que inviabilizam ainda mais o nosso lugar de fala. “Agridem” nossos stims; sufocam nossos hiperfocos; introduzem nomenclaturas e símbolos que não nos definem; determinam quais terapias nos conduzirão à “cura”. Se nos ouvissem mais, contemplariam nosso “querer ser”. E o grito ecoa, mas ecolalia também ainda é alvo de repressão!
Naturalizar performances de conduta, compreender e aceitar as nuances da diversidade humana, defender a importância da alteridade e dos pontos de vista alheios, apreender a subjetividade de outrem e extrair toda beleza inerente permite que “vesti-las” perca o valor negativado, e assuma o status de felicidade.
Normalizar a diversidade humana deveria ser prática perene. Optar por transferir Pessoas com Deficiência às margens sociais, represando políticas públicas ou a redução de barreiras físicas e atitudinais, só aponta a preferência por ignorar aquilo que o imaginário padrão não consegue compreender.

Importante seguir na luta para dar visibilidade às vivências individuais, trazendo à tona pautas de discussão de ações que contribuam para a melhoria da qualidade de vida, e os aproximem da autonomia para atividades cotidianas.


Falar de orgulho autista não invalida a luta por políticas públicas que apoiem familiares e cuidadores de pessoas autistas com alta demanda por suporte para realização de afazeres da vida diária. Na verdade, potencializa a fala que dá sentido ao movimento, mostrando que somos humanos como quaisquer outros humanos. Ainda que o autismo venha acompanhado de situações adversas, que podem levá-lo a reações variadas, há uma gama de características pessoais que pululam aos nossos olhos, mostrando individualidades e desejos próprios. Vemos, por exemplo, crises graves (de agressividade, por exemplo), que podem explicitar inúmeras necessidades. Ou seja, mesmo aqueles que têm pouca ou nenhuma consciência corpórea necessitam de qualidade de vida, e clamam, da maneira como podem, pela sua sobrevivência.

Lidar com demandas alheias é extremamente difícil, mas devemos exigir das esferas de poder a ajuda necessária para prover familiares e cuidadores de todo o aparato para ajudar pessoas autistas e demais Pessoas com Deficiência(inclusive enfatizando o cuidado psicológico dos familiares e cuidadores, para garantir saúde mental diante das intempéries). É hora de unir forças para alcançar a qualidade de vida para todos, e dar espaço para cada autista poder vestir-se do próprio direito de existir.


Destacamos, ainda, a necessidade da sociedade dialogar sobre Pessoas com Deficiência e com Pessoas com Deficiência: dominar conceitos; discutir possibilidades de apoio em todas as esferas; conhecer habilidades individuais; lutar em conjunto por políticas públicas, para acabar ou diminuir barreiras atitudinais e espaciais. Nada sobre nós sem nós!
Desta forma, lançamos a proposição de ações pontuais que corroborem para a implementação de políticas de combate à segregação de pessoas autistas, ampliando espaços de participação social:

  • Priorizar resoluções práticas de acessibilidade, adaptando ambientes de convívio, proporcionando conforto acústico, visual, higrotérmico, tátil e olfativo para autistas, dirimindo a incidência de crises por causa de hipo ou hipersensibilidade sensorial;
  • Revisar, rever e ampliar espaços de discussão do uso de terminologias, símbolos e opções de tratamento e suporte para autistas, levando em consideração as proposições levantadas pelos próprios autistas;
  • Contribuir para o desenvolvimento da autonomia, reduzindo barreiras atitudinais, como discriminação, capacitismo e a infantilização de autistas adultos;
  • Fortalecer o uso de metodologias de comunicação alternativa, fomentando pesquisas para garantir um lugar de fala para todo espectro autista;
  • Promover capacitações permanentes (através de lives temáticas, palestras, cursos, debates, etc.) aos profissionais, cuidadores, familiares de autistas e demais esferas sociais, atualizando saberes referentes à melhoria da qualidade de vida de pessoas autistas;
  • Propiciar meios para garantir saúde mental e física aos profissionais, familiares e cuidadores de pessoas autistas, reduzindo fontes de estresse, frustração ou hostilidade;
  • Criar, divulgar e manter campanhas de conscientização, difusão de conhecimento e respeito aos comportamentos autistas.

Não deve ser uma luta solitária, vale lembrar! Enquanto o interesse em melhorar a qualidade de vida de Pessoas com Deficiência e seus cuidadores, ficar restrito a quem vivencia a falta de recursos para garanti-la pulveriza esforços, apontando focos de lutas individuais, sem a união necessária para dirimir dificuldades.
Enfim, a luta é grande! É preciso resistir.

AVISO: Artigos de opinião aqui publicados são de única e exclusiva responsabilidade de seus respectivos autores. Os posicionamentos da ABRAÇA são tomados coletivamente e postados na categoria MANIFESTOS’.