MANIFESTO – Sou autista e viver em comunidade é direito meu!

MANIFESTO – Sou autista e viver em comunidade é direito meu!

Sou autista e viver em comunidade é direito meuPessoas autistas enfrentam as barreiras sociais do preconceito, da discriminação, da falta de apoios e de adaptações que as impedem de viver e participar de suas comunidades em igualdade de condições com as demais pessoas e de ter pleno acesso aos serviços públicos que garantem direitos essenciais a todos os cidadãos, como educação, saúde, segurança social e lazer. Estando, assim, mais sujeitos à violência, invisibilidade, abandono, negligência e segregação dentro de instituições totais de longa permanência.

Embora todas as crianças tenham o mesmo direito de viver em um ambiente familiar e de usar os serviços comunitários, muitas crianças autistas ou com outras deficiências têm frequentemente a existência negada por suas famílias ou vivem invisibilizadas em abrigos, instituições de longa permanência ou outras instituições residenciais, onde passam muito tempo ou toda a sua vida.

Grande parte dos abrigos de longa permanência destinados, ao mesmo, tempo à moradia e tratamento de pessoas com deficiência intelectual, psicossocial, autismo e, eventualmente, outras deficiências, funcionam como instituições totais, ou seja, lugares onde há privação de direito de escolha e controle total sobre a vida das pessoas ali abrigadas. Frequentemente, o diagnóstico de autismo é usado como justificativa para situação degradante, sendo que, com efeito, o isolamento e a negligência é que agrava a condição do indivíduo e a desigualdade à qual ele é submetido.

Nesse contexto, caracteriza-se o que é popularmente conhecido como manicômio, hospício ou asilo, e o lugar que deveria ser um lugar de proteção, se torna um lugar de violência, segregação e invisibilização. Vulnerabilizadas, as pessoas com deficiência submetidas a viver nesses espaços têm muito mais risco de sofrer todo tipo de violência, maus tratos, tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Segundo o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), adultos e crianças, principalmente, mulheres e meninas com deficiência, que vivem em instituições estão muito mais suscetíveis à situações de violência sexual, emocional e física, doenças sexualmente transmissíveis, abortos e esterilizações forçadas.

Os dados das agências da ONU sobre a violência nas instituições, infelizmente, são congruentes com os relatos de situações encontradas no Brasil, seja por pessoas com deficiência, trabalhadores ou órgãos de fiscalização.  

“Seria melhor se eu não vivesse lá [no abrigo]. Porque lá é como se eu fosse um presidiário. Nunca fiz nada de errado e vivo que nem um presidiário. Preferia morar com a família, mas eles não se importam comigo. Minha vida é altamente desvalorizada.”
[depoimento real de um adulto com deficiência institucionalizado]

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) garantem o direito à vida familiar e comunitária de crianças, jovens e adultos autistas e com outras deficiências. O Estado deve apoiar as famílias das pessoas com deficiência disponibilizando informações e serviços para que assegurar o direito de viver e ser incluído na comunidade e prevenir situações de violência, negligência e abandono contra pessoas com deficiência.

O Direito de viver e ser incluído na comunidade significa que pessoas autistas e com outras deficiências:

  • Têm o direito à liberdade de escolha de onde morar e respeito às preferências pessoais;
  • Devem ser apoiadas e respeitadas para ter e desenvolver autonomia;
  • Devem poder usar os mesmos serviços e equipamentos públicos que as demais pessoas usam;
  • Devem ser protegidas contra a discriminação baseada na deficiência;
  • Não podem viver trancadas em instituições.

O ECA e as normas de acolhimento institucional estabelecem que, nos casos em que a família imediata de uma criança com deficiência perca as condições de cuidar, deve haver todo esforço por parte das autoridades para que cuidados alternativos sejam oferecidos por outros parentes e, se isso não for possível, dentro de ambiente familiar, na comunidade.

O acolhimento institucional de crianças com deficiência acontece no mesmo espaço do acolhimento das crianças sem deficiência, não sendo permitido espaços de acolhimento exclusivos para crianças com deficiência. Já a proteção de adultos com deficiência que perderam os vínculos familiares e precisam de um lugar para morar deve acontecer em espaços residenciais inseridos e integrados nas comunidades, como as residências inclusivas ou as residências terapêuticas.

Segundo o CENSO SUAS 2016, ainda existem:

  • 4688 adultos com deficiência institucionalizados no Sistema Único de Assistência Social, grande parte em abrigos de longa permanência, com até 342 pessoas vivendo em um mesmo local;
  • 808 crianças com deficiência vivendo em abrigos exclusivos para crianças com deficiência, com até 87 crianças vivendo no mesmo local;e
  • 62% das crianças e adolescentes com deficiência vivendo em abrigos no Brasil está lá há pelo menos seis anos.

Com relação à política de Saúde Mental, de acordo com o DATASUS, existem 159 Hospitais Psiquiátricos, com um total de 25.126 leitos.

O Ministério Público e os Conselhos de Direitos devem fazer visitas regulares e verificar se não há maus tratos e violência, se as normas de acolhimento institucional estão sendo respeitadas e se o direito de viver e ser incluído na comunidade está sendo implementado.

Familiares, entidades representativas e a sociedade civil podem e devem cobrar mais fiscalização nas instituições de acolhimento de pessoas com deficiência e o estabelecimento de prazos razoáveis para implementação dos processos de desinstitucionalização. O que implica:

  • Combater a discriminação com base na deficiência;
  • Lutar pela substituição das instituições totais por alternativas mais adequadas, integradas à comunidade;
  • Combater o estigma que pessoas autistas são doentes e precisam ser curadas;
  • Empoderar pessoas autistas e reconhecer seu direito à tomada de decisão;
  • Exigir que as famílias recebam o apoio e as informações necessárias sobre os direitos da pessoa com deficiência e os serviços disponíveis;
  • Lutar pelo acesso de todos à Saúde, Educação Inclusiva e Mercado de Trabalho;
  • Exigir por espaços e serviços mais inclusivos, acessíveis e de qualidade.

É preciso entender as pessoas autistas, com deficiência psicossocial e com outras deficiências como parte integrante da diversidade humana, dentro das nossas famílias, dos nossos bairros, da nossa sociedade. É preciso compreender que viver em comunidade é direito de todos!

Curitiba, 25 de março de 2018.

Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas com Autismo – Abraça

Saiba mais sobre a Campanha: abraca.net.br/campanha2018