10 jul Nota pública sobre o PL 5.679/2023 – Esterilização forçada não é proteção!
A Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas – ABRAÇA – vem por meio deste instrumento manifestar sua preocupação com relação à aprovação, na Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência (Câmara dos Deputados), do Projeto de Lei nº 5.679/2023, que exige autorização judicial e consulta ao Ministério Público para esterilização cirúrgica (laqueadura e vasectomia) de pessoas absolutamente incapazes ou com deficiência mental e intelectual que não possam expressar sua vontade.
O referido projeto, de autoria das deputadas Carmen Zanotto (Cidadania/SC) e Soraya Santos (PL/RJ), representa uma afronta gigantesca aos Direitos Humanos e às escolhas individuais das pessoas com deficiência quanto aos seus direitos sexuais e reprodutivos.
Não só isso: é um projeto que, sob o pretexto de proteger pessoas com deficiência de alto nível de suporte (mental, intelectual, etc.), acabam, na verdade, promovendo um processo de HIGIENIZAÇÃO contra pessoas com deficiência. A isso, chamamos EUGENIA.
A esterilização forçada é um ato de violência sistêmica. Tolhe-se não apenas a reprodutividade biológica, reiterando-se, igualmente, uma percepção negativa da reprodução social destes corpos, sempre entendidos como estigmatizados no exercício dos direitos sexuais e direitos reprodutivos
A eugenia é um conjunto de ideias que almeja a melhoria (entre muitas aspas) genética dos seres humanos. Em outras palavras, é uma forma de ‘padronizar’ corpos e cérebros, o que suscita uma série de políticas e ações higienistas e até de eliminação sumária de seres humanos fora de determinados padrões excludentes.
É inacreditável que, em pleno século XXI, ainda existam projetos que, sob a desculpa de ‘proteger’ mulheres com deficiência, sirvam para violar e interditar direitos sexuais e reprodutivos.
O projeto busca, basicamente, ampliar e agilizar a esterilização forçada. Analisando seu texto, notamos que ele se baseia em duas mentiras: A primeira é a de que seu propósito é garantir a atuação do Ministério Público em processos de esterilização forçada de pessoas com deficiências em regime de incapacidade. Isso já é obrigatório em função do art. 178, II, do Código de Processo Civil. A segunda é a de que a ausência de lei regularizando o art. 10, § 6º, da Lei de Planejamento Familiar teria impedido sua eficácia. Desde 1996, autorizações judiciais têm sido concedidas para a esterilização de pessoas com deficiência, independentemente da existência de lei.
Ainda é extremamente grave que a proposta amplie o rol de pessoas que podem ser esterilizadas forçadamente, uma vez que aponta como possíveis sujeitos “pessoas absolutamente incapazes” ou “com deficiência mental ou intelectual que não possam exprimir sua vontade”. Isto é, mesmo que a Lei Brasileira de Inclusão tenha modificado o Código Civil para eliminar a conexão direta entre deficiência e incapacidade, o Projeto reforça essa associação, aprofundando estigmas legais sepultados pela LBI.
A LBI garante que a deficiência não deve ser usada como motivo para restringir direitos sexuais e reprodutivos (art. 6º, II), para relativizar o “direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar” (art. 6º, III) e para “conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória” (art. 6º, IV). Além disso, a definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo (art. 85, §1º). Tudo isto está, ainda, de acordo com o Art. 23 da Convenção de Direitos das Pessoas com Deficiência, que tem status constitucional em nosso país.
Uma possibilidade nefasta – a de que a corpos com deficiência sejam negados direitos reprodutivos -, que a LBI definitivamente eliminou de nosso ordenamento jurídico, volta neste PL como uma farsa. A farsa é a de que é pela proteção de pessoas vulneráveis que se deve facilitar sua esterilização. Esta farsa se transforma em tragédia, quando observamos que a esterilização forçada não previne E NUNCA PREVENIU a violência, podendo, inclusive, vulnerabilizar ainda mais os sujeitos com deficiência.
Dados do Sinam divulgados em 2021 mostram que, no Brasil, 7 mulheres com deficiência sofrem violência sexual por dia. A eliminação do “risco” da gravidez pode ser mais um fator de vulnerabilização. É um contrassenso afirmar que uma violência poderá servir como proteção contra outra violência.
A ABRAÇA chama toda a sociedade civil para se manifestar contra o PL 6.579/23. Chamamos também os parlamentares para se colocarem contra mais essa ofensa aos direitos humanos das pessoas com deficiência.
Nada sobre nós sem nós!