Orgulho autista | Opinião | Fernanda Santana

Orgulho autista | Opinião | Fernanda Santana

Fernanda Santana é autista, presidente da ABRAÇA, estudante de Arquitetura e Urbanismo e ativista pela neurodiversidade.

A maioria dos grupos têm uma única data comemorativa ou de conscientização no calendário. A comunidade autista tem duas. 2 de abril e 18 de junho. De tempos em tempos, aparecem alguns questionamentos. Dia do Orgulho Autista? Mas que orgulho é esse?

Numa sociedade onde viver com uma deficiência é considerado algo tão trágico, alguém dizer que tem orgulho de ser autista é, de fato, um ato de rebeldia. Eu entendo, portanto, que isso provoque estranheza em algumas pessoas. Dizermos que não precisamos de uma cura pra quem somos, nem de treinamento intensivo ou prevenção, eu entendo que seja diferente. Diferente do discurso popular do 2 de abril. Diferente do “milagre” com o qual muitas famílias sonham. Diferente do que se espera de alguém como nós.

 

Mas somos mesmo assim, diferentes, e hoje, 18 de junho, é o dia de dizermos que tudo bem ser diferente. Que tudo bem fazer tudo de outro jeito. Que tudo bem ter um jeito único de ver o mundo. Que tudo bem balançar um pouquinho… ou muito. Tudo bem. A gente é autista e tudo bem! Ninguém tem obrigação de não sê-lo. Ninguém tem obrigação de se encaixar num padrão.

 

Não é só um diagnóstico médico, é parte componente da nossa identidade enquanto indivíduos. É parte de cada dia da nossa história. É parte de como vemos o mundo. De como crescemos. De como aprendemos. Nada pode apagar isso. E tudo bem.

 

Não é por sermos assim que mereçamos menos respeito enquanto seres humanos que somos. Ou que tenhamos menos direitos.

 

Hoje, 18 de junho, é, portanto, o dia da aceitação. Aceitar que somos assim e que tudo bem, isso não tem nada a ver com conformismo. Na verdade, é o primeiro passo de um processo de enfrentamento. Enfrentamento da discriminação, do capacitismo, da psicofobia, da negação de direitos, de cada uma das injustiças que a gente encontra todos os dias. Aceitar é parar de baixar a cabeça, parar de se constranger, parar de fingir, e começar a se perguntar o porquê.

 

Por que você acha que é ok decidir por mim? Por você acha que eu sou menos capaz que outra pessoa da minha idade? Por que você fala comigo como se eu fosse uma criança, mesmo muito depois dos meus 18 anos? Por que você supõe tantas coisas? Por que me trata tão diferente de todos os outros? Por que me olha diferente? Por que me vê diferente? Por que espera que eu seja tudo o que eu não sou? Por que exige que eu seja o que eu não sou? Por que acha que tem o direito de exigir alguma coisa? E o meu espaço? E a minha vontade? E o meu direito? E eu?

 

Hoje, 18 de junho, é o dia em que eu digo que eu sou exatamente o que eu devia ser, e que tudo bem se isso é diferente. E que tudo bem se minha vida é diferente. Diferente não é ruim, é só… diferente. E tudo bem. Tudo bem. Eu gosto de quem eu sou. Eu gosto e tenho orgulho de mim. Está tudo bem.

 

O que não está bem é me dizerem que eu não estou bem quando eu sei que eu estou. Quando eu sei que o problema, o problema de verdade, está lá fora. Temos todos os dias do ano pra falar sobre o que está lá fora, sobre cada uma das barreiras que temos pra enfrentar, sobre cada dificuldade, cada desafio. Hoje não. Hoje é dia de falar sobre como nós somos ótimos e merecemos as mesmas oportunidades, direitos e auto-estima que qualquer outra pessoa. Porque somos gente! Nós somos gente!

 

Então, por favor, hoje, só hoje, guarde a sua camisa azul no armário. Nós somos de todas as cores. Guarde seu discurso trágico. Nós não precisamos dele pra sorrir. Guarde seus quebra-cabeças. Nós já temos todas as respostas. Todas, todas elas. Então nos escute, mesmo que seja só hoje.

AVISO: Este artigo representa a opinião pessoal do autor/a e é de sua única e exclusiva responsabilidade. Os posicionamentos da ABRAÇA são tomados coletivamente e postados na categoria ‘MANIFESTOS’.