13 jul Você sabe o que é psicofobia? | Opinião | Adriana Torres
Nos últimos dias, o debate a respeito do racismo foi tema de diversos posts e debates na internet. Primeiro, um youtuber famoso entre crianças e adolescentes fez um comentário racista no twitter, e foram descobertos comentários anteriores, tanto dele quanto de outras “celebridades” após esse episódio.
Com a derrota da seleção na Copa, mais racismo!, agora contra o jogador responsável pelo gol contra no último jogo da equipe. Ao invés de comentários criticando sua atuação, diversos internautas o xingaram utilizando termos racistas (que não vou reproduzir aqui, desnecessário).
Não sei se ainda é a bolha que construí ao longo desses anos na internet, mas fato é que percebo, cada vez, mais pessoas levantando a voz (ou escrevendo) contra preconceitos tão arraigados em nossa sociedade como o racismo, o machismo, a lgbtofobia. Em que pese a revolta pelos comentários que li, por outro lado o coro contrário me deixa imensamente feliz e esperançosa de termos, um dia, um mundo mais justo e respeitoso com todas e todos que aqui vivem. É nisso que me apego, e não nos que insistem em não ver (e participar d) a evolução da humanidade.
Por outro lado, o mesmo ainda não acontece com a psicofobia. Em verdade, a maioria das pessoas desconhece até o termo, incluindo aí ativistas de direitos humanos reconhecidos nas redes sociais.
Para entender o que é psicofobia, é preciso saber o que é capacitismo. Capacitismo é o preconceito contra pessoas com deficiência, uma atitude discriminatória originada da ideia de uma pretensa normatividade física que considera como pior, inferior, pessoas que tenham alguma diferença física do que seria o “padrão” para o nosso sistema social e político. (E o padrão, todos sabem, é o homem branco, eurocêntrico, neurotípico, hetero e rico.)
O capacitismo naturaliza uma hierarquização de corpos humanos e promove a exclusão das pessoas com deficiência, negando direitos básicos como o acesso ao trabalho, à moradia e ao próprio corpo, por meio de ações paternalistas e excludentes.
A psicofobia é o capacitismo mental, uma concepção preconceituosa que cérebros fora do padrão determinado são erradas, inferiores, doentes, que precisam ser “consertadas” ou comandadas por pessoas com o “padrão certo” neuronal.
Todas as pessoas neurotípicas são psicofóbicas, assim como todo branco é racista, todo homem é machista e todo heterossexual é lgbtfóbico. Não, não é uma generalização simplista. Por não vivenciarmos na pele o que é ser homossexual ou o que é ser negro, por sermos estruturados desde o nascimento por um sistema que adota esses preconceitos como estratégia para manter um determinado grupo no poder, nos tornamos preconceituosos sim desde a infância e a única forma de desconstruirmos isso é admitindo sua existência em nós e lutando, diariamente, para combatê-los.
Pessoas neurodiversas não estão doentes, não são anjos nem demônios, não são piores nem melhores do que pessoas neurotípicas. São seres humanos, dotados de direitos e que têm como principal causa de sofrimento as barreiras atitudinais e físicas existentes em um mundo feito para atender as necessidades de pessoas neurotípicas.
É psicofobia utilizar termos relacionados a pessoas neurodiversas como adjetivo desqualificante, como fizeram recentemente Ministros do Supremo Tribunal Federal, utilizando de forma pejorativa os termos autismo e psicopatia.
É psicofobia acreditar que pessoas neurodiversas são pessoas doentes, e é psicofobia constranger uma pessoa neurodiversa a “tratamentos” humilhantes e degradantes, desde o uso de alvejantes industriais, a não vacinação, até determinadas terapias comportamentais que tentam “disfarçar” a neurodivergência daquela pessoa e apagar sua própria identidade com a desculpa de estarem ajudando-a a se adaptar ao mundo.
É psicofobia dizer que determinados transtornos ou condições neurodiversas como a depressão e o TDAH são “falta de Deus no coração”, fraqueza de caráter ou excesso de mimo. Pessoas com depressão precisam de apoio médico; pessoas TDAH possuem um cérebro que funciona de uma forma diferente do neurotípico e precisam, acima de tudo, de respeito.
É psicofobia excluir, humilhar, constranger ou determinar quais locais uma pessoa neurodiversa pode frequentar.
É psicofobia acreditar que pessoas neurodiversas são incapazes e que não podem tomar decisões sobre sua vida ou como devem exercer sua sexualidade.
É psicofobia acreditar que pessoas neurodiversas são más, que são assim por um castigo divino, assim como é psicofobia acreditar que são anjos enviados por Deus com uma missão entre “as pessoas comuns”. Isso é tirar a humanidade delas, que, assim como você, possuem qualidades e defeitos.
Pessoas neurodiversas estão, todos os dias, lutando por suas vidas. Sofrem mais violência, física, psicológica e sexual, do que as pessoas neurotípicas. São forçadas a viver fora da comunidade, são expulsas do convívio familiar, das escolas regulares, trancafiadas em instituições ou em seus próprios lares. Pesquise sobre o “Holocausto Brasileiro”, sobre as torturas infligidas a milhares de SERES HUMANOS por séculos e que eram consideradas moralmente aceitáveis pela maioria da sociedade (e ainda são para muitas pessoas).
A psicofobia começa no discurso e se concretiza na prática do dia a dia. Precisamos mudar o discurso, se quisermos mudar a prática também.